A Importância de Isaac Asimov e O Homem Bicentenário
Quando adaptamos para o cinema uma obra literária, o conto tende a ficar mais “superficial”. Isso acontece porque não vemos com tanta clareza os sentimentos e pensamentos dos personagens, os detalhes do ambiente e expressões ficam amontoados em milésimos de segundos, dentro dos frames de uma imagem. Quando temos palavras escritas nas linhas de uma página, dependemos apenas da pressa do autor para poder apreciar cada detalhe de sua obra. Mas mesmo assim, Asimov consegue ir mais fundo em suas narrativas.
Se pegarmos apenas uma obra ou conto de Isaac, veremos o começo/meio/fim da aventura de um personagem qualquer, morando em uma cidade qualquer em um ano qualquer de um futuro não-tão distante.
Porém, é preciso ter em mente, antes de mais nada, a data de suas publicações, que variam entre 1950 e 1960 nas suas obras mais populares e originais. Antes mesmo de Star Trek lançar seu primeiro episódio, Asimov já tinha feito os Marcianos nos visitares, criado oceanos em Vênus, elaborou um sistema universal de conselho e presidencialismo mundial sobre demais sistemas governamentais, além de dobra do espaço, velocidades superiores ao da luz, inteligência artificial, mineração planetária e estelar e, óbvio, as Três Leis da Robótica.
O engraçado é que vemos tudo isso no mesmo universo. Personagens aparecem em vários contos e vão ficando mais experientes ao passar dos anos de suas vidas; empresas começam a ganhar nome e tornam-se monopolizadoras, com gerações sucedendo o trono, o poder e a sabedoria; leis são feitas, desfeitas e dão lugares a novas leis em décadas de intervalos e você percebe que apenas um homem criou um universo inteiro, centenas de anos com vidas, políticas, guerras, revoluções e (porque não) histórias de amor. E aquele personagem qualquer, se torna uma engrenagem altamente relevante para o desenrolar de um acontecimento maior que seus sonhos mais ludibriosos.
Andrew Martin é um desses personagens, um robô doméstico que foi adquirido para, além de tantos afazeres, cuidar e entreter as crianças da casa. O que foi interpretado como um “erro na fabricação” fez ele ter senso de tudo que aprendia e autonomia de sentimentos e pensamentos. Andrew Martin aprendeu sobre O QUE ele era e QUEM ele queria ser, fez da LIBERDADE o seu anseio e desejo mais vivido, a razão de sua caminhada e a contemplação do que ele insistia em chamar de VIDA. Andrew foi confrontado pela liderança mundial, e o texto de Asimov ensina o que a humanidade peleja à aprender:
-Pois não, Meritíssimo?…
…-Por que você quer ser livre, Andrew? Em que sentido isso pode lhe interessar?
-O senhor gostaria de ser escravo, Meritíssimo?- replicou o autônomo.
-Mas você não é escravo. É um robô absolutamente perfeito. Genial, inclusive. Ao que me consta, capaz de exprimir de uma forma artística simplesmente incomparável. Que mais poderia fazer, se fosse livre?
-Talvez, nada mais do que já faço, Meritíssimo, mas com maior alegria. Afirmaram aqui mesmo, neste tribunal, que só o ser humano pode ser livre. A mim me parece que só quem quisesse a liberdade deveria ser livre. E eu quero.
Foi essa declaração que convenceu o juiz. O ponto crucial da sentença determinou que “ninguém tem o direito de recusar liberdade a qualquer criatura de inteligência suficientemente desenvolvida a ponto de compreender o conceito de desejar essa condição”.
A vida de Andrew segue pelas páginas do livro e o conceito de liberdade é cada vez posto mais a prova, dando razão para que a história tenha um sentido de existir e que seu final seja satisfatório e conclusivo. Infelizmente, no filme, somos distraídos com a excelente atuação de Robin Williams e seu desejo de ser (apenas) o mais próximo possível como um humano. Uma sinopse superficial, se for comparado ao apelo crítico que é apresentado na versão literária.
Interessante apresentar o motivo pelo qual Asimov começou a escrever sobre Andrew e seus 200 anos: A obra seria publicada em 1976 para festejar o bicentenário da independência dos Estados Unidos da America, Asimov partiu do título para, aos poucos, os pormenores da trama. O presente para um país que lhe acolheu era a vida de um homem livre.